terça-feira, 2 de maio de 2023

Saberes ancestrais

 Então, no aguardo do arroz cozinhar e mexendo as panelas no fogo, orgulhosa dos meus preparos, me pergunto de onde saem os saberes que carreguemos?!

Não tenho vergonha dos meus processos de aprendizagem sejam eles tardios ou no tempo certo, para fazer uso de conceitos da educação formal. Ontem limpei, tratei, cortei e preparei o primeiro frango/galinha da vida aos 39 anos. Enquanto fazia o preparo, fui visualizando mãe na ponta da pia fazendo o mesmo procedimento, e toda vez que a dúvida surgia de como cortar ou limpar, lembrava dela acariciando o frango para sentir as partes, as juntas e saber pelo tato o lugar certo de onde colocar a faca e cortar. 

Rememorei a infância quando sentava com a bacia no batente da casa de vó e ela ensinava a tratar o peixe de nome piaba, como cortar a cabeça, retirar as vísceras e escamas. Não foram ou são mulheres dadas a carinhos e afetividade, mas ensinaram a gerir a vida, a antes de dizer não sei, tentar. 

Me ensinaram com a experiência da observação a fazer, a lavar, limpar, cuidar. Eram os saberes que possuíam. Me ensinaram a sobreviver preparando meu alimento, limpando a casa, a trabalhar pela necessidade de sobreviver e não ter medo ou vergonha disso. E acredite, elas não sabem que esse ensinamento foi e é importante, mesmo que eu fale isso de forma verbalizada!! 

Mas, ante aos ensinamentos delas, lembro-me da expressão de seus olhares, por mais que nunca tivessem se traduzido em palavras, de que ali estava seu afago. E, por vezes o sorrir no canto da boca, da satisfação e contemplação de que acarinharam, pois essa era única forma que elas conheciam. 

São saberes ancestrais de mulheres que aprenderam com outras mulheres, que viram seus saberes serem diminuídos, porém, naquele sorrir de canto de boca, sabiam do valor que aquele ensinar e aprender, através da observação do olhar atento da criança curiosa, que teria que sobreviver se elas faltassem, era aprendido. E bem aprendido, tão bem ensinado, que mesmo nunca tendo sido feito, foi executado quando necessário e quando a necessidade ainda surgir. 

Mulheres nunca reconhecidas como sapientes, apenas serviçais e uteis, a seus maridos e irmãos/pais, depois a casa e a filhos/as. Donas de sabres usurpados por homens a gerencia do domestico, eminentemente feminino, deu origem a ciência eminentemente masculina, a economia. Porém, acredito, que talvez, eles devam voltar a Aristóteles, e A política, afinal esse é ponto de partida do filosofo, a economia domestica, e a sua gerência deste antes do surgimento da civilização é feminina.

Com isso, não estou dando aqui de a feminista radical, já passei dessa fase, apenas estou constatando de onde vem os "saberes ancestrais" que carrego, os quais mesmo nunca tendo solicitado intelectualmente, faço uso cotidianamente no domestico, quando preparo o alimento e o raciono, matematicamente para 30 dias, dinâmica introduzida com assalariamento capitalista pós revolução industrial do século XIX.

Então é, com o rascunho dessas linhas, preciso dizer e registrar a beleza desse ato de aprender a ensinar, e ensinar a aprender com ancestralidade e memórias históricas, sociais e culturais passíveis de aprender apenas com mulheres, de mulheres e para mulheres, num processo que é dinâmico e belo. A tradução da vida em sabres práticos e que carregam sabores, cheiros e muitos afetos, antropologicamente falando. 

Simone dos Santos Borges

Ms em Educação, Historiadora e Cientista Social      

  

quarta-feira, 26 de abril de 2023

2022 foi um ano de apagão e deslocamento do mundo virtual/real

 É faz tempo que não venho aqui, desde que comecei em 2010 a escrever e refletir sobre o cotidiano nesse blogger, percebi hoje, que 2022 não tem nada. Nenhum escrito, nenhum desabafo, nenhuma reflexão.

Não, foi um ano que passou batido, como se diz na gíria dos jovens que estão quarentando como eu, mas foi um ano de auto imersão nas angustias geradas, no dizer durkheimiano: pelos fatos sociais que são genéricos, exteriores e coercitivos. 2022, perdi e ganhei na mesma proporção de dois pratos da balança que se mantiveram em equilíbrio. 

Ano de eleições marcantes e decisivas. De perdas irreparáveis, de conquistas surpreendentes, ambíguo e dicotômico. Bipolar, marcado por uma nova guerra que rememora coisas velhas de uma passado que insiste em ser presente. Mas, terminou com esperanças de tudo que poderia ser em 2023, que passou um rasteira e mostrou que a realidade não pode ser projetada, pode até ser alterada, mas tem que ser vivida na ação consciente do nosso lugar no mundo. 

É sim, Marx e Engels estavam certos, é preciso tomada de consciência do ser no mundo. Por isso, olhando as linhas que escrevi até aqui, percebi que as minhas categorias de analise sempre foram: educação escolar, política (liberdade x autoritarismo), identidade e gênero. 

Conclui o mestrado em 2022, e, vendo esse blogger, percebo que na minha dissertação todas as categorias acima mencionadas estão presentes. Nesse texto, por hora maior de minha produção acadêmica, assumi minha identidade de professora de história a qual tem uma leitura sócio antropológica da mesma, falei sobre educação escolar no contexto da ditadura civil militar brasileira (1964-1985/89), e me posicionei como mulher no mundo e que tem capacidade, liberdade e maturidade para propor inovações teóricas, modelos e técnicas de escrita acadêmicas alternativas, e nem por isso, menos cientificas, fiz acho eu, uma bricolagem. 

Muito do que reli nesse blogger, me fez (re)olhar para 2022, para a introspecção contemplativa o qual me incuti e do quanto cresci longe dos olhares do mundo das redes sociais e da vida virtual/real. Essa coisa do que é virtual/real explicarei em outro texto.

Acho que isso é o que os gregos chamavam de ócio contemplativo!!

Firme dos meus propósitos quando comecei esse blogger, farei um texto resumo sobre 2022, o meu processo do mestrado, e as coisas que 2023 até aqui, juntamente com muita terapia, me fazem voltar a essa ferramenta como escrevi da outra vez "em desuso". 


Simone dos Santos Borges 

Ms em Educação, Historiadora e Cientista Social