domingo, 9 de fevereiro de 2020

Acordei querendo escrever...

Acordei querendo escrever, não sei ao certo o que, mas cheia de vontades e de pensamentos, em traduzir os sentimentos em palavras. Quando criei esse blog imaginava que ia ser escritora de crônicas, mas hoje relendo os textos, vejo que ele se traduz em um diário reflexivo, que muito tem ajudado a entender quem sou nesse mundo social chamado realidade concreta, inclusive a reconhecer minhas bases teórico epistemológicas.

A muito venho falando sobre golpes, ditaduras, fundamentalismo, autoritarismo, sobre medos, hipocrisias, falta de ética, educação escolar e doméstica. E relendo os escritos que deixei aqui me pergunto até que ponto sou aquilo que critico nas reflexões que venho fazendo? Será que carrego as características culturais de costumes os quais as vezes eu mesmo repúdio? E penso que sim, afinal foi nessa sociedade que cresci e experiencio tudo que vivencio.

Mas quero ser melhor que isso, então faço esse exercício reflexivo constante que ainda assim, tem sido alvo de diversas criticas ao longo da vida, como mulher se sou incisiva é traduzido como ignorante, e  quantos vezes já ouvi isso que perdi as contas, e teve um tempo que acreditei, até que um dia um desafeto meu, a quem sempre chamei de cara de coruja, por que ela parece com uma, me disse: "seu problema é seu jeito", e fiquei me perguntando por quase três anos o que é que tem no meu jeito que ele é um problema?

Ai numa conversa com uma amiga ela reproduziu a fala de um homem super machista sobre mim e disse: "que eu era intelectualmente arrogante" e, por fim um aluno que plagiava metade dos seus textos de trabalho, disse que tomasse cuidado com as exigências na correção dos trabalhos acadêmicos, que isso, fazia de mim uma professora chata.

Tais questionamentos sobre minha personalidade forte, decisiva, assertiva e firme em convicções éticas, morais e intelectuais, me fizeram sofrer por muito tempo, afinal não sabia como deveria me comportar para ser aceita nos mais diferentes espaços, afinal deveria deixar de ser quem sou? Abandonar meu ethos? Aí, me passei a analisar a frase seguinte após todas essas críticas, você tem um rosto delicado de fragilidade, seu jeito calmo de falar mostra que você é frágil e delicada, então sua personalidade deve demonstrar fragilidade, portanto, o que essas pessoas diziam é que minha aparência não condizia com minha personalidade.

Solução que encontrei para acabar com esse sofrimento, primeiro confiar em mim e na minha expertise ética, moral e intelectual, segundo assumir meu corpo (fora dos padrões, não sou magra) por que não aceitar minhas característica físicas fazia de mim uma pessoa insegura, confiar que na condução da minha vida fiz escolhas certas e erradas como qualquer ser humano faz, afinal de contas é isso que nos torna humanos, refletir antes tomar decisões que me causam sofrimento, e não tomar decisões enquanto ainda estiver em estado de sofrimento, e, principalmente, não abandonar nunca, jamais, o meu ethos.

O que me ajudou a chegar a conclusão acima, foi assistir programas de moda, de como fazer sua roupa refletir você, e passei a seguir alguns daqueles concelhos se assim posso dizer, e aí na ultima terça-feira uma aluna, nova querendo desvendar quem é a professora falou sobre minha aparência, sobre minha forma de ser no mundo, e não é que minha aparência finalmente reflete minha personalidade. Fiquei feliz ao saber disso, por que me ajuda nesse caminhada de ler e escrever sobre o mundo, que me fizeram pensar em política, e escrever sobre isso, que parece não ter nada haver, com o mundo real concreto.

Mas, a pauta das identidades tem sido um pouco desacreditada por aqueles que tem a ideia de que só lutas coletivas podem resolver as desigualdades geradas estruturalmente para manutenção dos sistemas de poder. Penso, que se não chegar primeiro ao significado do átomo (individuo), nunca chegaremos a matéria (coletivo), por isso, está em constante reflexão sobre si e o mundo a nossa volta nos permitirá pontuar lutas coletivas realmente sérias, dotadas de alteridade, por que, somente conhecendo-se a si mesmo, como diria Aristóteles, acredito que algumas pessoas poderão através da compreensão de sua individualidade enraizar lutas coletivas.

Estava muito triste, deprimida e pessimista com os rumos do Brasil, mas quando vejo a esquerda radical, chamar a atenção da esquerda moderada e da direita a suas reflexões, a enxergar a obviedade dos absurdos dos últimos tempos, vejo avanços em meio aos retrocessos, exemplos de como enxergar o ruim por outras óticas, nunca a violência policial nas periferias foi denunciada como tem sido agora, está cada vez mais claro o desmonte das instituições e da política de Estado necrófila e entreguista que ganhou as últimas eleições, e da tentativa de instituições religiosas de ascenderem ao poder para fundar seu Estado, e as pessoas das mais letradas as mais simples tem estado diante dessa contraditoriedade, assim, como o machismo que mata as mulheres o tempo todo, e outras situações vexatórias a esta sociedade que se pretende moderna e progressista através do conservadorismo paternalista, que foi convidada a sair do armário com suas convicções.

Assim, o racista precisou assumir o racismo que carrega dentro de si, assim como os machistas, os intolerantes religiosos e os homofóbicos, e todos aqueles que odeiam minorias tiveram que sair do armário. Vivemos um tempo em que dualismos não são mais admitidos, relativismo muito menos, ou você assumi seu lugar no mundo, seu ethos, ou será taxado, e terá que aguentar o que eu aguentava, por me deixar refletir algo que não era. Falei de mim, para pensar o genérico da sociedade que vivo, me coloquei como metáfora, de uma sociedade que dá nojo, por que lê o mundo, mas não aprende com seus erros, ainda vive dentro de suas mascarás e de que não quer assumir o quanto ela é ruim.

O otimismo, do qual fui tomada é exatamente esse confronto o qual nossa sociedade se encontra,  essa polarização tem trazido a tona histórias identitárias negadas de uma nação que se construiu em cima da perversidade, da expropriação e exploração, e de mazelas sexuais que beiram o sadismo, e quando a turbulência passar essa sociedade não será a mesma. Como ela será, impossível saber, por que, os verdadeiros arrogantes intelectuais, são aqueles que não permitem que os contrários falem, e existam, tentando padronizar inclusive as contradições dos que nos torna humanos, por isso, tenho mudado a tristeza dos primeiros anos de percepção da realidade autoritária que insurgia para começar a ver luz no fim dessa estrada, afinal "ninguém mergulha na mesma água do rio duas vezes".

Simone dos Santos Borges
Historiadora e Cientista Social