sábado, 14 de dezembro de 2019

Elementos simbólicos: o hino nacional

Hoje foi um dia daqueles que você para e pensa nos rumos do país de 2016 (desde o impeachment) até a atual liderança governamental, o qual não ouso falar o nome. Fui impelida num compromisso profissional, aquelas cerimônias oficiais que precisamos cumprir um rito protocolar de executar e cantar o hino nacional, ai como senti vergonha, e quando percebi que estava com vergonha de ser brasileira, senti vergonha da vergonha por rejeitar um dos símbolos nacionais que nos identifica enquanto povo. 

E comecei a observar as pessoas ao meu redor e como elas se comportavam ante essa ação, e aí percebi aquele balbuciar sem muitas empolgações, sem muito vigor, sem muitas vontades, e o "forte brado retumbante" ecoava com um baixo brio, uma baixa vontade de "conquistar com braço forte". 

Comecei a pensar que eu não era a única envergonhada ali, e o "gigante pela própria natureza" era de uma pequenez que não sabia mais o que pensar desse sentimento de vergonha que passou a ser a identidade de muitos brasileiros, e que vem substituindo o desejo de um "sonho intenso, raio vívido, de amor de esperança".  

Estamos vivendo um momento de tantas incertezas, de tantas perdas em nossa soberania e sem saber como se "ergue da justiça a clava forte" e sem saber como ver "um filho teu (que) não foge a luta". 

É complicado pensar nessas coisas, tentamos lutar, e estamos lutando mas sem saber sobre o que é essa luta, é a nossa dignidade, são os nossos direitos e conquistas dos últimos anos, é a nossa identidade de brasileiros e brasileiras que vem sendo aviltada, dilacerada por uma política que recebe nomenclaturas péssimas, que só fazem diminuir ainda mais um brio dessa "terra adorada, entre outras mil".

Continuamos como povo "deitado eternamente em berço esplêndido", diriam muitos como espectadores da história, e assim, vendo as ações de outros privilegiar a poucos os quais sãos ou se apropriam da maternidade "deste solo" que "és mãe gentil". 

Simone dos Santos Borges
Historiadora e Cientista Social    

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Cuspindo Palavras

A mais de um ano teci algumas linhas nesse canal, e hoje estou sentindo uma vontade horrorosa de cuspir palavras. Talvez, algumas saiam desconectadas, mas penso que está tudo interconectado. Venho observando a postura, e o comportamento de muitos brasileiros via rede social, das pessoas próximas a mim, dos colegas de trabalho e alunos e alunas, ao tempo que estudo as disciplinas do mestrado, escrevo para eventos e vou a encontros de pesquisa, e faço (meio que devagar como tartaruga) minha pesquisa.

Tem sido um verdadeiro exercício de alteraridade! Exaustivo, mas penso que necessário, pois ao me debruçar sobre o direito de estudar através da legislação educacional, tenho percebido o quanto vivemos de nos meter e achar que somos detentários do direito de dizer ao outro o que fazer, baseado em costumes, é a cultura do eu penso que posso, portanto, vou lá faço e falo.

Enquanto o mundo capitalista incute a ideia da individualização nas relações sociais, o que tenho observado, e peço para estar errada e ser refutada a ter uma nova opinião, é que no caso brasileiro, todos se metem na vida uns dos outros, mas quando o um "quebra a cara" ele assume as consequências de seus atos sozinhos, e os outros que se meteram se limitam a dizer "te avisei" ou culpabiliza o sujeito dizendo foi sua escolha, a qual estava, diga-se de passagem, atravessada de influências e interferências.

Aliás, essa coisa de escolha tem me irritado muito nos últimos dias, vou abrir parentese para falar de algo muito pessoal, na minha casa sempre criamos cachorros vira lata e de rua, todos que tivemos abrimos o portão e os colocamos para dentro, com todas as dificuldades que passamos, não dava para os levar ao pet shopping, mas acreditem eram tão amados que o finado Dick curou todas as suas viroses com dosagens homéricas de água de coco, a qual minha mãe fazia pai ir comprar fosse a qualquer hora.

Lupa muito solidária, como crianças levadas que eramos no momento do castigo ficava ali firme conosco e as vezes até levava chineladas na mesma proporção, pois tentava tomar da mão de mainha a qual não contava conversa, "já que você quer, então, toma", e lá íamos, nós e Lupa, ao castigo chorar juntos.

Hoje, cheia de frescuras da inutilidade capitalista senti vontade de ter um cachorro de raça, de uma raça cara que é o buldogue inglês, e pronto, a capacidade das colegas, que nunca criaram animalzinhos e muito menos de rua, que compraram seus cães ou gatos em pet's, passaram a me encher o saco, com a frase: não compre um cão, adote!

Acho linda a frase, tão linda que um dia andando pelo shopping, passei por uma feira de adoção, e fui mostrar ao namorado como são os cães e gatos, já que ele nunca pode ter um, e tem muita vontade de ter. Fui mostrar como era, vi minha Florzinha, comecei a chorar e fui embora para o ponto do ônibus, o coração apertou, voltei e busquei, levei para casa e tem sido a minha alegria a quatro meses.  Como é Flor, preta e vira lata, linda, rouba cena aonde chega. Custo, 30 reais do uber, mas 100 a ong como ajuda de custo para manutenção do trabalho que fazem de regaste de animais.

Olha adotei, como o povo tem mandado, mas não diminui a vontade do buldogue, e continuo de olho nos canis especializados para aquisição de um gordo que ronca e peida, e que vai me dar um trabalho enorme, ter dois cachorros.

Mas, vocês pensam que os nunca cuidaram de um vira lata na vida, que nunca abriram os portões de suas casas para animais de rua, pararam? Se sua resposta for sim, vocês não conhecem os brasileiros, até mensagem sobre como a raça buldogue e de caninos de focinho achatada com imagem de crânio eu recebi, para me demonstrar o quanto a industria de manipulação de genes para melhoria ou adaptação de raças é terrível e maltrata os animais e mais uma vez a frase "não compre, adote" me foi dita.

O que esse parentese me faz pensar sobre o Brasil e os brasileiros, que além de ser um povo perverso e do jeitinho para se dar bem, como diriam os clássicos da antropologia brasileira, é um povo que adora fazer pose, e frases que deveriam ser clichês como "caridade sem justiça social, enaltece apenas seu ego" referenciam o caráter e a cultura de uma população. Se pensam que parou por aí, tem mais, quando você fala das suas dores, das doenças que tem, e a pessoa do lado começa a te ensinar o que fazer para curar, como conduzir e resolver o problema.

O pior mesmo é quando a pessoa desqualifica sua profissão que ela nem sabe como funciona, como sabem sou historiadora e cientista social, e recentemente numa viagem a trabalho a colega diz, quando Carlos Prestes foi presidente Simone? Eu, linda serena e loura (que estava na época) respondi: nunca! Retorica: Tem certeza?, serenamente respondo: absoluta. E ponto, então, quem foi presidente depois de Vargas, e aí saí listando, acham que ficou satisfeita, obvio que não, afinal História qualquer um sabe e ensina, assim tem sido nos últimos dois anos.

Recentemente, venho pedido, quase que implorando, aos marcianos uma abdução, mas nem eles tem vindo mais aqui, em tempos de mamadeira de piroca e kit gay, avistar um ovinis deve ser um privilegio no meio das fake news.

O Brasil vai de mal a pior, mas o povo tá preocupado mesmo em controlar a liberdade do vizinho em fazer coisas que dão prazer a pessoa, seja ter um buldogue inglês ou comer um hamburgão que engorda, até a Paola de Oliveira, mulher linda e bem sucedida caiu nas garras desse Brasil hipócrita, que não tolera a REALIDADE.

A realidade social, como ela se expressa é dura, difícil, a vida bate na gente que nem trem descarrilhado e muitas vezes vamos juntando as peças, e reconstruindo o trem que segue a viagem faltando pedaços. Os brasileiros querem soluções imediatas, não planejam, não pensam a longo prazo, é o aqui e o agora, se tem dinheiro vive-se o agora, afinal tudo virou vontade de Deus ou do Diabo, e o ser humano segue sem culpa, afinal podemos tudo, temos o direito até de abrir mão do direito, de um direito que apesar de não ser de um só, tem sido entregue por um grupo pequeno no qual maioria leva a piada, sem dar conta da seriedade do momento que vivemos.

Aí lembro de Brechet, "vieram e levaram as flores, não liguei eram só flores, e foram levando as coisas até não restar mais a nossa voz, a qual não pudemos fazer nada, por que já tinham levado tudo". Talvez ande intolerante como os intolerantes e os pequenos de pensamento, ou ando numa revolta doida com tudo isso. Tô realmente na fase do não aguento mais, viver coisas que já não deveriam ser polêmicas e que são por que a galera tá numa de reviver o pior da História.

Acho que seguirei na contramão, pensando que devo lutar pela defesa dos direitos, até dos que abriram mão deles, e na luta pela garantia de que a justiça social seja uma prioridade e de que ninguém perca mais sua vida por ser mulher, negro ou gay, e que nosso apartheid social um dia seja apenas um fato histórico enterrado mas nunca esquecido de nosso passado, que sigo lutando, pensando e usando a unica arma que sei, escrevendo.

Simone dos Santos Borges 
Historiadora e Cientista Social