terça-feira, 1 de outubro de 2013

Como eu passei a entender o racismo.

Quando era mais jovem eu repeti o discurso de muitos intelectuais e "inteligentes" brasileiros de que no Brasil não existe racismo, o problema do país é de ordem social, o que existe é muita pobreza. Nessa época confesso que tinham em minha vistas uma cortina que impedia de ver a cor da pobreza, inclusive a minha.

Aí o tempo passou e acabei lendo muitas coisas que fizeram o véu da pobreza rasgar-se, e percebi que a pobreza desse país tem cor. Ainda não me enxergo como negra, mas também não me vejo mais como branca, já que na época em que repetia o discurso dominante era assim que me via. Estou entrando na vida adulta e começo a observar as mudanças que a mesma teve, a partir do momento em que passei a identificar a ideia "racismo" que atravessa a concepção identitária de cidadão bom e cidadão ruim que atravessa a mente das pessoas que nasceram e cresceram dentro de uma cultura colonizada e escvravagista como a nossa.

Quando digo que não me enxergo como negra, não quero dizer que é preciso assim identificar-se para lutar pela causa dos negros contra o aparthaid e a segregação racial  a que jovens como eu são obrigados a viver nesse país que ainda insiste em vender uma "democracia racial" que culpabiliza as vitimas. Ser "afrobrasileiro" soa politico e menos agressivo aos ouvidos daqueles que negam a existência de praticas racistas em nossa sociedade, é como se fosse apenas mais um discurso do politicamente correto. 

Com isso, quero narrar minha trajetória acadêmica, que se iniciou no ano de 2004, ainda nem sabia direito o que era uma universidade, uma vez que advinda de escola pública e ninguém explica para nós estudantes desses espaços como é esse lugar "universidade" e que não vamos conseguir chegar até esse lugar. A única coisa que sabia é que o mercado de trabalho busca por profissionais formados em instituições de ponta, aí fui fazer Universidade Católica, entrei no curso de História travestida de mulher branca e, nossa! Como fui popular. 

Era ligeiramente ingenua para os padrões classe medianos que ocupavam esses espaços e culturalmente de postura diferenciada, uma vez que cresci num bairro periférico, era uma das poucas da turma que adveio de escola pública, mas a pele é branca e o cabelo liso, fruto de químicas para alisamento que quase custaram a minha integridade física, tudo isso para atender a padrões de aceitação sócio-racial. 

O sucesso que obtive nesses primeiros anos de academia e vida profissional juro que até recentemente, média de dois anos atrás, creditei a meu esforço pessoal e profissional. Mas, dentro de uma universidade é impossível não levantar bandeiras e enraizar ou desenraizar discursos, e cada vez mais fui assumindo minha identidade étnica, pois estava cansada de não ter espelhos sociais, que fizessem minha alto-estima de fato elevar-se. Deixei de alisar o cabelo, foi o primeiro passo. Este ato de "alisar o cabelo" me matava intelectualmente e esteriotipicamente. 

Segundo passo, deixei de passar fome, é isso mesmo, passei a comer sem me importar se ser gorda, preta e mulher era ruim ou bom para os que defendem a "democracia racial", passei a defender o direito das mulheres e de todas as pessoas a serem exatamente como elas são psicologicamente ou fisicamente. 

Terceiro passo, passei a assumir minhas ideias e concepções politicas de maneira positiva, ou seja, sem ferir o direito do outro do exercício da sua liberdade de expressão, mas deixando claro que tenho as minhas e assim como os outros que lutam pela sua liberdade eu também luto pelas minhas. 

Quarto passo não tenho mais medo de não encaixar no padrão social imposto e não sigo mais regras de aceitação de embranquecimento nos diversos espaços ao qual estou inserida. Resultado dessa caminhada. 
Perdi amores, perdi amigos que me eram caros como irmãos, e as portas de empresas que antes praticamente vinham na minha casa se fecharam, afinal deixei de ser socialmente branca. 

Hoje sou mulher de classe média professora, por escolha, e não por que fiquei com medo de seguir outra profissão, tenho cabelo enrolado e como dizem os médicos da geração saúde, estou acima do peso, por isso, percebo como essas situações que narrei acima são cada vez mais presente, antes creditei isso a questões pessoais achava que não estava sendo "boa" o suficiente, ou seja, fazendo a vontade de todos consistentemente. Mas aí, acordei e penso que não é por isso, afinal todas as pessoas que conheço são inteligentes o bastante para não querer uma amiga "capacho", hoje percebo que tudo é para embranquecer, como não quero mais embranquecer acho que estou sendo mais uma vitima da falacia chamada "democracia racial" por assumir minha identidade cultural que é marcadamente nordestina e afrobrasileira.    

Simone dos Santos Borges
Historiadora e Cientista Social