terça-feira, 18 de abril de 2017

Uma fagulha de esperança!

Um dia desses fui surpreendida por minha aluna, que cursa o 2º ano do ensino médio numa escola pública aqui de Salvador, com esse belo texto. O qual tive a ousadia de pedir para compartilhar no meu blog.

Quero esclarecer, que não solicitei como atividade, não valia nota, e em nenhum momento a mesma fez por obrigação, é sua reflexão sobre as aulas que vinha assistindo com o tema "o papel da mulher na sociedade atual".

Não sei quando ela escreveu, só sei que confiou a mim a tarefa de lê-lo, e dar minha opinião de mestra, e só posso dizer que para uma menina nos seus 17 anos aulas com conteúdos de gênero tem ajudado na sua construção de identidade feminina, e espero com a divulgação desse texto oferecer a ela e seus colegas estimulo, para o desafio de superar o machismo que mata milhares de mulheres a cada dia no Brasil.

Segue o texto: 

RASCUNHO

"Essa semana eu vi uma reportagem que me deixou endignada, uma jovem (não sei 16 anos exatamente a idade dela) foi estuprada por 33 homens ou melhor 33 monstros, vi postagens no face sobre o assunto, inclusive de amigos(as) meus (minhas), vi os dois comentarios mensagens de apoio e comentarios irônicos, machistas. Do tipo é Vendo a reportagem acabei descobri descobrindo que acada 11 minutos uma mulher é violentada no Brasil e, que 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados, amigos ou pessoas proximas a vitima e que 58,5% das pessoas concordam com a frase  "se as mulheres soubessem se comportar não haveria estupros". Essa frase me fez parar para pensar [longo trecho rasurado] e relembra de uma entrevista que eu assisti da Pitty no programa Altas Horas a uns anos atraz Pitty e Anitta debatiam sobre o machismo eu acho Anitta citou uma exemplo frase que foi mais ou menos assim "o comportamento das mulheres da margem para o homem achar que pode se aproveitar da situação" dai a Pitty falou uma coisa que eu super concordo "ele (o homem) está errado ele não tem que achar nada quem tem que fazer o que quer é você!!!" Pessoas em geral acham que mulheres que usam roupa curta "pedem" para serem desrei desrespeitadas, assediadas , violentadas. Pelo amor de Deus cara roupa não define carater de ninguem, eu vi uma garota sendo criticada duramente por pessoas como se ela tivesse culpa de ter sido violentada por 33 monstros por que isso não é atitude de homens de verdade eu tenho nojo de cada um desses babacas e de tantos outros co iguais a eles, todos os dias outras meni mulheres são a cada ano no Brasil, cerca de 0,26% da população sofre violência sexual, o que indica que haja anualmente cerca de 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no país, dos quais cerca de 10% são reportados a polícia, muitas vezes a vitima não procura a polícia por ajuda por medo e vergonha da reação das pessoas que na maioria das vezes criticam a vítima como se ela tivesse culpa do crime, isso tem que acabar!!!" (Naiara Caroline Ribeiro - 17 anos)


Bom, o que penso aqui, como professora de História e Sociologia, primeiro resolvi manter o texto exatamente como aluna escreveu, uma vez que a sua escrita indica-nos seu lugar de fala, e a construção de seus saberes enquanto processo gradual e continuo, saberes que na minha concepção não podem ser ocultados e desprezados.

Não sei de quais meios de comunicação/informação ela tirou os dados estatísticos sobre a violência sexual sofrida pelas mulheres no Brasil, mas devemos salientar o quanto esses números são alarmantes, assim como, a preocupação de uma adolescente com esses dados, o que talvez possa nos revelar, um temor da mesma sofrer esse tipo de agressão. Ao tempo em que, a mesma deixa claro que a culpa do estupro não é da vítima, o que me faz lembrar da seguinte frase "de burca ou de shortinho a culpa não é da mulher", demonstrando assim o iniciar de sua formação identitária, ao mesmo tempo questionando a construção de masculinidade vigente, onde para ser homem, não precisa exacerbar seus impulsos sexuais, ela não diz o que é preciso ser ou ter para ser homem, mas ela deixa claro, que não é olhar ou pensar a mulher como objeto ou propriedade do masculino.

Fica claro também, que a mesma questiona os padrões sociais e sexuais que nos temos enquanto sociedade, os quais são construídos a partir da roupa que vestimos, pois esses papeis sociais, muitas vezes são construídos e ditados pela moda, e aí me fez pensar a quem essa moda serve? E o que faz uma adolescente ter seu direito de existir negados por conta desse aspecto da vida social?

No Brasil, em que o presidente da república vai TV reafirmar padrões sociais femininos em desconstrução no quesito naturalidade, ver uma adolescente refletir sobre o papel social da sua condição de gênero é o "tapa na cara" dessa sociedade machista que tentar fingir que as coisas continuam iguais mesmo não estando.

Simone dos Santos Borges
Historiadora e Cientista Social